O Tempo e o Vento: Arquipélago Vol. 1

Tempo e o Vento: Arquipélago Vol.1 de Érico Veríssimo – O maravilhoso casamento entre a Prosa Acessível e Temas Profundos! #resenha

E o Tempo e o Vento vai ficando cada vez melhor, se isso seria possível. O que mais fico embasbacado com o Érico Veríssimo é como ele consegue casar uma prosa deliciosa de se ler, acessível, cinematográfica, com momentos de muita beleza poética, com temas profundos e exploração psicológica precisa. Seus livros são ao mesmo tempo acessíveis e eruditos, recomendaria para qualquer leitor, são excelentes para habituar novos leitores no prazer da escrita, e mesmo assim, possuem profundidade filosófica e psicológica.

O Tempo e o Vento: Arquipélago Vol. 1
O Tempo e o Vento: Arquipélago Vol. 1

E nesse primeiro volume de Arquipélago, Veríssimo demonstra maturidade e visão de obra a cada frase, a cada construção literária. A estrutura continua sofisticada, o tempo e o espaço são transformados e fluem ao sabor da narrativa e das memórias, sem dar aquele desconforto no leitor ao pular em diversos tempos cronológicos.

A trajetória do Dr. Rodrigo Cambará incia seu ato final, com a narrativa preenchendo mais lacunas de sua vida, construindo um personagem complexo e interessante, talvez uma encarnação do espírito rio grandense, com todas suas contradições expostas ao leitor de maneira quase cruel. As discussões filosóficas de Tempo e o Vento: Retrato se aprofundam e ganham mais nuances, com Érico se colocando dentro do romance, colocando seu ponto de vista pessoal (que tinha se fragmentado em Continente, na figura de Carl Winters) nas personagens de Tio Bicho e Floriano. E todas as vezes que esses dois apareciam lá estava eu, leitor, selecionando tudo, citando, lendo em voz alta várias vezes. E fica a dica, leia Érico Veríssimo em voz alta e veja que musicalidade, que poesia se esconde nas frases. O cara é foda pra caralho mesmo, véio!

E vamos para Arquipélago Volume 2, onde a pancadaria grossa das revoluções da década de 20!

ALGUMAS ANOTAÇÕES DURANTE A LEITURA DE TEMPO E O VENTO: ARQUIPÉLAGO VOL.1 (Pode ter spoilers!)

  • tema recorrente: o tempo cura feridas
  • O foco narrativo as vezes entra no ponto de vista feminino, principalmente na visão
    das mulheres que esperam os homens que foram lutar na revolução de 20 e 30.
  • Minha avó passou o mesmo com meu avô, que também saiu para a revolução de 30.
  • Jesus Carcomido “esse aí entende de guerras”
  • divisão social violenta entre chinas, chinocas e is brancos e pardos
  • hoje em dia, o Rodrigo Cambará seria um sexolatra
  • filósofos avatares de Érico Veríssimo – Fandango, Tio Bicho e Florisberto
  • Maria Valéria – Super Ego castrador de Rodrigo Cambará
  • Conversa entre Floriano e Tio Bicho: A teoria do romance de Érico Veríssimo
  • Livro mais autobiográfico, Floriano é o avatar de Érico Veríssimo

TRECHOS DOIDIMAIS DE TEMPO E O VENTO: ARQUIPÉLAGO VOL. 1

A TEORIA DO ROMANCE DE FLORIANO

“— Uma das coisas que mais me preocupam — diz Floriano — é descobrir quais são as minhas obrigações como escritor e mais especificamente como romancista. Claro, a primeira é a de escrever bem. Isso é elementar. Acho que estou aprendendo aos poucos. Cada livro é um exercício. Vocês devem conhecer aqueles versos de John Donne que Hemingway popularizou recentemente, usando-os como epígrafe de um de seus romances. É mais ou menos assim: Nenhum homem é uma ilha, mas um pedaço do Continente… a morte de qualquer homem me diminui, porque eu estou envolvido na Humanidade… et cetera, et cetera.

Tio Bicho cerra os olhos e, parodiando o ar inspirado dos declamadores de salão, murmura eruditamente:

— “And therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.”

— Estive pensando… — continuou Floriano. — Nenhum homem é uma ilha… O diabo é que cada um de nós é mesmo uma ilha, e nessa solidão, nessa separação, na dificuldade de comunicação e verdadeira comunhão com os outros, reside quase toda a angústia de existir.

Irmão Zeca olha para o soalho, pensativo, talvez sem saber ainda se está ou não de acordo com as ideias do amigo.
— Cada homem — prossegue este último — é uma ilha com seu clima, sua fauna, sua flora e sua história particulares.

— E a sua erosão — completa Tio Bicho.

— Exatamente. E a comunicação entre as ilhas é das mais precárias, por mais que as aparências sugiram o contrário. São pontes que o vento leva, às vezes apenas sinais semafóricos, mensagens truncadas escritas num código cuja chave ninguém possui.

Cala-se. Conseguirá ele agora estabelecer comunicação com essas quatro ilhas de clima e hábitos tão diferentes dos seus?

— Tenho a impressão — continua — de que as ilhas do arquipélago humano sentem dum modo ou de outro a nostalgia do Continente, ao qual anseiam por se unirem. Muitos pensam resolver o problema da solidão e da separação da maneira que há pouco se mencionou, isto é, aderindo a um grupo social, refugiando-se e dissolvendo-se nele, mesmo com o sacrifício da própria personalidade. E se o grupo tem o caráter agressivo e imperialista, lá estão as suas ilhas a se prepararem, a se armarem para a guerra, a fim de conquistarem outros arquipélagos. Porque dominar e destruir também é uma maneira de integração, de comunhão, pois não é esse o espírito da antropofagia ritual?

Edu salta:

— Toda essa conversa não passa duma cortina de fumaça atrás da qual procuras esconder a tua falta de vocação política, a tua incapacidade para a vida gregária.

— Por mais absurdo que pareça — diz Rodrigo — desta vez estou de acordo com o camarada Eduardo.

Floriano sorri. Os apartes, longe de o irritarem, o estimulam, pois tiram à sua exposição o caráter antipático e egocêntrico de monólogo. Prossegue:

— Para o Eduardo o Continente é o Estado Socialista, ou a simples consciência de estar lutando pela salvação do proletariado mundial. Para outros, como para o Zeca, a Terra Firme, o Grande Continente, é Deus, e a única ponte que nos pode levar a Ele é a religião ou, mais especificamente, a Igreja Católica Apostólica Romana. Há ainda pessoas que satisfazem em parte essa necessidade de integração simplesmente associando-se a um clube, a uma instituição, uma seita.

Bandeira aparteia:

— Por exemplo, o Rotary Club ou a Linha Branca de Umbanda.

— O que importa para cada ilha — prossegue Floriano — é vencer a solidão, o estado de alienação, o tédio ou o medo que o isolamento lhe provoca.

Faz uma pausa, dá alguns passos no quarto, com a vaga desconfiança de que se está tornando aborrecido. Mas continua:

— Estou chegando à conclusão de que um dos principais objetivos do romancista é o de criar, na medida de suas possibilidades, meios de comunicação entre as ilhas de seu arquipélago… construir pontes… inventar uma linguagem, tudo isto sem esquecer que é um artista, e não um propagandista político, um profeta religioso ou um mero amanuense…”

DICAS PARA ESCRITORES DO TIO BICHO

“— Presta bem atenção. Suponhamos que a vida é um touro que todos temos de enfrentar. Como procederia, por exemplo, o teu avô Licurgo Cambará, homem prático e despido de fantasia? Montaria a cavalo e, com auxílio de um peão, simplesmente trataria de laçar o animal. Agora, qual é a atitude de seu neto Floriano Cambará? Tu saltas para a frente do touro com uma capa vermelha e começas a provocá-lo. De vez em quando fincas no lombo do bicho umas farpas coloridas… Mas quando o touro investe, tu te atemorizas, foges, trepas na cerca e de lá continuas a manejar a capa, para dar aos outros e a ti mesmo a impressão de ainda estar na luta… É uma atitude um tanto esquizofrênica, com grande conteúdo de fantasia. Certo? Bom. Toma agora o teu tio Toríbio… Qual seria a atitude dele?

— Pegaria o touro à unha.

— Exatamente. Levaria a loucura e a fantasia até suas últimas consequências!

— Aonde queres chegar com tua parábola?

— O que quero dizer é o seguinte. Se num romancista predomina a atitude do velho Licurgo, isto é, o senso comum, corremos o risco de ter histórias chatas como a de certos autores ingleses cujas personagens passam o tempo tomando chá, jogando críquete ou falando no tempo. Queres um exemplo? Galsworthy. Ora, tu sabes que eu seria o último homem no mundo a negar a importância e a beleza do teu bailado de toureiro para qualquer tipo de arte… Há até uma certa literatura que não passa duma série de jogos de capa e bandarilhas. Mas o que dá a um romance a sua grandeza não é nem o seu conteúdo de verdade cotidiana nem o seu tempero de fantasia, mas o momento supremo em que o autor agarra o touro pelas aspas e derruba o bicho. Se queres um exemplo de romancista que primeiro faz verônicas audaciosas e depois agarra o animal à unha, eu te citarei Dostoiévski. E se me vieres com a alegação de que o homem era um psicopata, eu te darei então Tolstói. E se ainda achares que o velho também não era lá muito bom da bola, te direi que um homem realmente são de espírito não tem necessidade de escrever romances. E se depois desta conversa me quiseres mandar àquele lugar, estás no teu direito. Mas mantenho a minha opinião. O que te falta como romancista, e também como homem, é agarrar o touro à unha…”

Trechos tirados de Tempo e o Vento: O Arquipélago – ÉRICO VERÍSSIMO

2 comentários

  1. Olá Nilton! Amei teu Blog, e tenho apreciado muito seus videos Nitrodicas os quais tem me ajudado muito neste meu inicio de carreira. estou publicando o meu segundo livro, só por mera ousadia, pois ainda estou engatinhado nesta nova profissão. Sou amante das letras, mas percebo que só isso não basta tenho que dá meu sangue se quero ser uma escritora do seu porte. Tenho minhas limitações por causa da dislexia, porem não a vejo como empecilho.

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